Seguem algumas considerações sobre a onda de protestos que tomou conta de São Paulo nas
últimas semanas. Como acompanhei por São Paulo vou apenas falar por esse ponto
de vista. E existem muitos aspectos a respeito de tudo o que ocorreu, então essas ideias soltas não esgotam (nem chegam perto) o que penso a respeito.
Classe Média
Uma das primeiras criticas que apareceram sobre o protesto
dizia que eles eram guiados por estudantes oriundos da classe média, que sequer
utilizavam o transporte público. Esse argumento é a defesa incondicional de que
a classe média ignore os problemas relegados as classes mais desfavorecidas e
olhe apenas para seus próprios problemas. Como é possível defender algo assim? Houve
um tempo em que pensar naqueles que tinham menos era chamado de solidariedade.
É o argumento da desmobilização, um dos principais legados
da ditadura militar brasileira, segundo a série de livros do Elio Gaspari. Uma
dinâmica social onde o estudante estuda, o operário trabalha, o professor
ensina, o atleta joga, o político cuida da política e ninguém deve ficar se
metendo no assunto dos outros.
Número de
participantes
Quem saiu as ruas, sobretudo na segunda dia 17 de junho,
ficou assombrado com o número de pessoas que tomavam São Paulo. A
cidade estava fechada em diversos pontos ao mesmo tempo, como Brigadeiro Luís Antonio,
9 de Julho, Faria Lima, Cidade Jardim e Avenida Paulista, além de uma grupo grande que
se dirigia até o Palácio dos Bandeirantes. Mesmo assim, a imprensa em geral
abraçou um número de 65 mil manifestantes como o oficial. Uma rápida olhada em
imagens aéreas faz pensar o seguinte: ninguém sabe fazer essas contas
realmente. Ou havia muito mais pessoas nas ruas de SP ou precisamos rever
informações sobre o número de pessoas em eventos históricos como as Diretas Já.
Fico com a estimativa do Brasil de Fato, que foi a única que
eu vi até o momento que apresentou algum método:
A estimativa de 250 mil só em São Paulo ainda é baixa. Baseado
em outras coberturas de marchas, como a do MST, de Goiânia a Brasília, em 2005,
que contou com a participação de 12 mil pessoas, a reportagem do Brasil de Fato sabe que
uma fila única com 15 mil pessoas atinge uma extensão de cerca de 9
quilômetros. A marcha que percorreu o largo da Batata até o fim da Brigadeiro
Luís Antônio chegando à Paulista (um trajeto de 9 quilômetros) contava com no
mínimo 20 fileiras de pessoas (em alguns momentos 30, outros, 20). Ao
considerar um "instante" fotográfico completamente cheio daí já
seriam 300 mil pessoas. Considerando que este trajeto não tenha sido preenchido
por completo de ponta à ponta no instante de uma fotografia, levamos em conta
as outras duas colunas que se encaminharam para o Palácio dos Bandeirantes e
para à frente da rede Globo. Um mar de gente que ocupou a marginal Pinheiros e
a ponte Estaiada. Por isso, sem medo de errar, no mínimo estiveram nas ruas 250
mil pessoas, só em São Paulo.
Violência policial
A violência policial da quinta-feira, dia 13/6, foi a grande
aglutinadora do protesto, mais do que a tarifa. Até então as pessoas estavam
sendo bombardeadas por uma cobertura tendenciosa da imprensa, que limitava tudo
a vandalismo, permeada por contrainformação nas redes sociais. Após todas as
cenas de violência da quinta as pessoas marcharam em solidariedade aos
atingidos, pelo direito de protestar pacificamente e não ser alvejado por balas
de borracha. Isso fica claro no ódio as emissoras de TV. A PM quase merece um obrigado.
Por outro lado, o MPL foi muito habilidoso em não deixar que tudo virasse
uma marcha da liberdade na orla de Copacabana, fazendo com que a questão da
tarifa permanecesse como um objetivo prático a ser alcançado.
Vitória
A maior vitória de toda essa onda foi a volta da política às
ruas. Eu discordo quando dizem que as pessoas estavam dormindo e fora das ruas.
Morando na região da Paulista há quase 3 anos, eu sei muito bem que temos um
protesto em São Paulo quase todos os finais de semana. Apenas para relembrar,
recentemente tivemos a Marcha da Maconha e a Marcha das Vadias. Umas 3 semanas
atrás eu fui acordado por uma marcha pró-Síria. E, se considerarmos que a Parada
Gay é uma manifestação política, elas não são todas pequenas. Mesmo assim, não
me lembro qual foi a última vez em que a política esteve tão presente em cada
roda de café ou mesa de bar. E isso é muito importante.
Haddad
Fui criticado por amigos por afirmar que a bomba explodiu na mão do Haddad, que não tinha nada a ver com isso. Rebatem dizendo que ele apenas manteve o sistema já vigente e que representa o poder estabelecido. Continuo com a minha opinião de que a administração Serra/Kassab passou 8 anos sem conceder um aumento ao funcionalismo, aumentando a passagem acima da inflação e cessando os investimentos em transporte público, sendo os verdadeiros culpados pela insatisfação.
Haddad tem apenas 6 meses de governo e demonstra que vai contra a lógica acima. O que fica claro com o desenrolar dos protestos é que ele ainda carece de muita habilidade política. Conduziu o tema com morosidade, permitindo que sua imagem se desgastasse, dando informações conflitantes com uma postura vacilante. Se ele tivesse uma veia política mais forte, por exemplo, teria capitalizado com o aumento menor do que o previsto que promoveu (de 3,40 previstos para 3,20), porém fez tudo de forma que quase ninguém ficasse sabendo. Por sorte ele ainda tem mais 3 anos e meio para mostrar a que veio.